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sexta-feira, 4 de julho de 2014

"Que o la tumba serás de los libres, o el asilo contra la opresión"

Já faz algum tempo que prometi voltar ao blog... De lá pra cá, só consegui mesmo foi ter um monte de ideias sobre o que escrever, alguma programação para quando escrever e o que escrever e nenhuma postagem. De todas elas, uma ficou aqui martelando na minha cabeça, por conta de uma indignação que insiste em não passar... Indignação, para quem não sabe, é o meu forte. Algumas vezes me indigno com razão, algumas sem razão (pra mim, com razão, sempre...), algumas vezes me indigno facilmente, outras vezes, a indignação vem crescendo aos poucos... Em alguns momentos, inclusive, ela aparece repentinamente e vai crescendo violentamente como numa grande progressão geométrica explosiva... Entretanto, como acontece com quase todo mundo, na maioria das vezes, essa indignação não dá em nada... às vezes, ela passa e, outras vezes, ela continua martelando minha cabeça com marteladas ritmadas e fortes de dentro para fora, como se quisessem de qualquer jeito quebrar meus ossos e saltar do cérebro pro mundo... 

Essa foi uma delas. Eu não vi, no momento em que ela aconteceu, a vaia que a "torcida" instagramada brasileira fez quando a torcida chilena cantou seu hino à capela. Soube depois que o jogo começou e fui buscar as cenas. A indignação, dessa vez, veio no esquema PG, de uma vez e com tudo. Não me aguentei, senti uma vergonha, uma raiva e um nojo tão grandes que, como qualquer indignado do século XXI, desabafei no facebook... Minha indignação não vinha simplesmente da falta de educação perante o hino de uma nação vizinha, vinha principalmente do fato de vivermos em um país que não conhece sua história e a história das nações que nos cercam, que nada sabem das culturas de nosso continente, que não tem a mínima ideia do que é um desejo de integração regional, que não se reconhece como América Latina... mas, ao mesmo tempo, um país que cresce economicamente e que, aos poucos, vai selecionando cidades dessa mesma América Latina para servirem de "balneários" de compras e divertimentos e que joga sua elite (ou nem tão elite assim...) financeira nessas cidades, como aspiradores de pó sugadores de fotos a serem postadas onde for possível postá-las e de produtos eletrônicos e roupas de marca que custem minimamente dez reais a menos do que aqui. 

Logo lembrei de quando estava em Santiago com minha noiva, imerso na emoção e no encantamento de ter
visitado as casas do Neruda, ter ouvido sua voz em seus quartos, de ter visto o Rio Mapuche seco como secaram a cultura do povo que o nomeia, de ter entrado no Museu da Memória e dos Direitos Humanos e ter ouvido, em meio a tantos relatos e marcas de sofrimentos e de esperanças, o último discurso de Allende, que morreu defendendo a liberdade de seu povo... Em meio a tudo isso, esperando para subir no funicular do Cerro San Cristóbal, um casal de brasileiros (de uma cidade do interior de Minas) se aproxima e nos pergunta o que tinha de bom para fazer na cidade. Nós, pobres inocentes (ou inocentes pobres) começamos a citar os museus em que havíamos estado, as casas de Neruda, os funiculares de Valparaíso... Eles, com cara de que pouco estavam interessados em tudo isso,  nos perguntam em uníssono: "E pra comprar, onde é bom ir?" Um silêncio quase que profundo e uma cara de Rosé Tchópin (essa poucos entenderão) foi a única resposta possível...

Na minha cabeça indignada, logo vi esse casal no Mineirão (não lembro a cara deles, mas juro que os vi na tela da televisão aquele dia) vaiando o hino do Chile, vaiando a história que desconhecem, vaiando sua própria história, vaiando a luta contra o massacre e a opressão, que é a nossa luta (a nossa, a deles, e a de tantos povos vizinhos - e não vizinhos - e igualmente ignorados...). Vaiando em nome de sua própria burrice e ignorância... Perdoai, chilenos, eles não sabem o que vaiam... Não se indigne com eles, Diego, eles não sabem o que vaiam... eles não sabem sequer porque vaiam... Eles têm o dinheiro, vão pra Santiago, vão pra Buenos Aires, vão pra Cancun, vão pra Bariloche, às vezes até vão para Cuzco e Machu Picchu, mas de lá eles só levam o mesmo que levaram daquele dia no Mineirão - fotos no instagram, lembranças pros amigos, curtidas no facebook, muita diversão, e uma ignorância maior ainda, de quem conhece e não reconhece... E eles não têm culpa... eles não tiveram as aulas que você teve, eles não leram os livros que você leu, eles não viram os filmes que você viu... e a culpa não é deles...

A culpa é de um país que cresce economicamente, mas não investe em educação*... Entende?

*Na postagem do Facebook, eu havia escrito isso: 

Mostrando ao mundo o resultado de um país que cresce economicamente e não investe em educação...
Eu já vinha achando que esse negócio de cantar "eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor" no jogo dos outros não era legal... egocentrismo puro... deu no que deu... 
Eu sou brasileiro, com muita vergonha, com muito nojo...

Espero ter me feito entender agora... Eu mesmo me perdi por lá em meio a minha indignação...

Um comentário:

Flavia Paixao disse...

De fato vergonhoso, lamentável... compartilho de tudo que vc disse... realmente lamentável...