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quarta-feira, 14 de maio de 2014

Ao menos um final feliz (...) (?)

Depois de reler mais uma vez o texto bizarro da Rosely Sayão, tomei coragem para contar o final feliz de uma história que me emociona há anos e que me deu, sem querer, a dimensão da minha profissão. Aliás, uma história cheia de sem quereres, que só compartilho porque, longe de autorizar que me gabe sobre minha qualidade profissional, ela representa justamente o que fazemos quando nem sabemos o que estamos fazendo:

Há 6 anos atrás, começando minha vida profissional, ainda no CLAC, numa prática bem gramaticalista, passei como atividade de revisão para uma turma de Espanhol I, a seguinte atividade: pense num objetivo para sua vida (trabalhar a noção de infinitivo), diga o que você já fez até hoje para alcançar esse objetivo (trabalhar o pretérito composto), o que você está fazendo agora para isso (trabalhar a perífase "estar + gerúndio), e o que você vai fazer ainda (trabalhar a perífrase "ir + a + infinitivo"). Foi isso. Corrigi os verbos. Eles apresentaram. Foi bacana. E ponto.

Um ano e meio depois, encontro uma aluna dessa turma, ao aplicar uma prova oral na turma em que ela estava, já no Espanhol IV. Não lembro o tema da prova, mas ela, por alguma razão, me contou, que um dia eu lhe perguntei o que ela estava fazendo para mudar a sua vida e que aquilo a fez pensar. Ela, uns bons anos mais velha que eu, era empregada doméstica e cursava Letras, com muita dificuldade, por não ter tempo para estudar. Ela me disse que, depois dessa pergunta, decidiu tomar uma decisão: largou o trabalho para ganha uma bolsa de 300 reais (ou 500, não lembro) e trabalhar como estagiária numa escola. Estava superfeliz com a decisão, apesar das dificuldades financeiras que estava passando, pois estava conseguindo trabalhar no que ela sempre quis e estava conseguindo se dedicar mais à faculdade.

Demorei a entender do que ela estava falando, até que lembrei da atividade que comentei antes. Naquele dia, tomei uma dimensão tão grande do que era ser professor, que fiquei tão feliz, que meu medo, muito medo. Pensei em tudo que eu poderia ter feito de errado sem querer e todas as consequências que esses erros podem ter causado, sem querer. Sem querer, chorei, naquele dia, pelo que fiz sem saber e pelo que não fiz sem saber.

Hoje, em meio a uma greve de ônibus, que fez quase toda a população da cidade não sair de casa, encontrei aquela aluna de novo. Fiquei muito feliz, porque, principalmente, eu ia saber o final da história. Um final que já se mostrava feliz, já que ela usava uma blusa azul com o nome de uma escola na frente e atrás, em caps lock, PROFESSOR. Perguntei: tá dando aula? E ela me disse, com um baita sorrisão: "Tou!! Esse ano, dei uma diminuída, porque estava deixando de lado minha saúde, minha glicose tá alta... sabe como é, né? Muito trabalho, muito aluno, a gente se envolve com os problemas, a educação desvalorizada, etc etc etc".

Nunca fiquei tão feliz em saber que a taxa de glicose de alguém está alta e de ter tido uma conversa-desabafo-reclamação "à la sala dos professores" com uma colega de profissão!
Lógico que, para tantos outros, essa mesma atividade não fez diferença nenhuma. Então, não posso deixar de comentar a garra, a força de vontade dela e a fé em si mesma! 
Mas... que, ao mesmo tempo em que isso me alegra, me angustia muito, ah, isso angustia...

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