Dia e noite, noite e dia, eu penso: Olha só, que cara estranho que chegou, parece não achar lugar no corpo em que Deus lhe encarnou. Tropeça a cada quarteirão, não mede a força que já tem, exibe à frente o coração que não divide com ninguém. Tem tudo sempre às suas mãos, mas leva a cruz um pouco além, talhando feito um artesão, a imagem de um rapaz de bem. Olha ali, quem tá pedindo aprovação. Não sabe nem pra onde ir se alguém não aponta a direção. Periga nunca se encontrar. Será que ele vai perceber que foge sempre do lugar deixando o ódio se esconder? Talvez se nunca mais tentar viver o cara da TV que vence a briga sem suar e ganha aplausos sem querer...
Dia e noite, noite e dia, eu penso: De onde vem a calma daquele cara? Ele não sabe ser melhor, viu? Como não entende de ser valente, ele não saber ser mais viril. Ele não sabe não, viu? Às vezes dá como um frio. É o mundo que anda hostil, o mundo todo é hostil. De onde vem o jeito tão sem defeito que esse rapaz consegue fingir? Olha esse sorriso tão indeciso, tá se exibindo pra solidão. Faz parte desse jogo dizer ao mundo todo que só conhece o seu quinhão ruim. É simples desse jeito quando se encolhe o peito e finge não haver competição. É a solução de quem não quer perder aquilo que já tem e fecha a mão pro que há de vir.
Espera que eu não terminei. Perceber aquilo que se tem de bom no viver é um dom. Daqui não, eu vivo a vida na ilusão entre o chão e os ares vou sonhando em outros ares, vou. O tempo voa e quando vê, já foi e eu que já não quero mais ser um vencedor, levo a vida devagar pra não faltar amor. Eu que já não sou assim muito de ganhar, junto as mãos ao meu redor. Faço o melhor que sou capaz só pra viver em paz. Levo assim, calado, de lado do que sonhei um dia como se a alegria recolhesse a mão pra não me alcançar. Poderia até pensar que foi tudo um sonho, ponho o meu sapato novo e vou passear sozinho, como der, eu vou até a beira.
Não vão embora daqui, eu sou o que vocês são, não solta da minha mão, não solta da minha mão. Sobre estar só eu sei nos mares por onde andei devagar, dedicou-se mais o acaso a se esconder, e agora o amanhã, cadê? Fingi na hora rir. Fingindo ser o que eu já sou. Sereno é quem tem a paz de estar em par com Deus. Pode rir agora que o fio da maldade se enrola. Pois é de Deus tudo aquilo que não se pode ver.
É, Deus, parece que vai ser nós dois até o final. Não me entenda aqui por mal. Não sou tão só assim. Eu que controlo o meu guidom! Com ou sem suín-. Fingindo ser o que eu já sou, mesmo sem me libertar eu vou. Eu não vou mudar não, eu vou ficar são mesmo se for só. Não vou ceder. Deus vai dar aval sim, o mal vai ter fim e no final, assim calado, eu sei que vou ser coroado rei de mim. Pra que mudar? É bom, às vezes, se perder sem ter porque, sem ter razão. É um dom saber envaidecer por si, saber mudar de tom. Quero não saber de cor, também. Para que minha vida siga adiante. Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco?
Enquanto isso, navegando eu vou sem paz. Sem ter um porto, quase morto, sem um cais. Mais vale o meu pranto que esse canto em solidão. Nesta espera o mundo gira em linhas tortas. Canto que é de canto que eu vou chegar. Eu vou ver o jogo se realizar de um lugar seguro. De que vale ser aqui onde a vida é de sonhar? Liberdade! Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz! Então, clausura que um dia sufocou minha alegria, há de ser o que morreu. Indo embora, deixo-te um adeus.
(Marcelo Camelo, recortado e colado)
Canção: De onde vem a calma
Compositor: Marcelo Camelo
Banda: Los Hermanos
CD: Ventura (2005)
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